Mirela Janotti fez do câncer de mama uma experiência divertida
No primeiro encontro, ela ficou tensa. Fazia calor no bar
escuro e a peruca, corte tipo chanel e loura, escorregava na cabeça.
Para aumentar o “climão”, ele foi logo elogiando o cabelo (pensando ser
natural, claro).
A cada cinco minutos durante o flerte, Mirela corria para o banheiro,
passava água na careca, em uma coreografia desengonçada que arrancava
risos das outras mulheres que queriam usar o sanitário e retocar o
batom.
Se você segurou a risada porque a história acima contém as palavras
“peruca” e “careca”, a publicitária Mirela Janotti diria para relaxar e
soltar o sorriso. O humor foi o fio condutor que ela encontrou para
enfrentar o câncer de mama descoberto em 2006, quando tinha só 39 anos.
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Isso depois de sofrer “feito o cão” naqueles 12 meses do diagnóstico.
Em janeiro, o casamento de 12 anos terminou. Em julho, ela foi
demitida. Em outubro, a avó materna – uma pessoa de quem ela gostava
muito – morreu. Em dezembro, o nódulo no seio esquerdo, mostrou a
biópsia, era um tumor maligno que obrigou a retirada total da mama.
Tempos depois, por precaução, a mama direita também foi mutilada.
Mas, calma. Mirela fez “do limão uma bela e doce caipirinha”.
“Preenchi o vazio após descobrir a doença com experiências
maravilhosas. Arrumei novo emprego, meu atual marido surgiu em meio à quimioterapia. Encontrei nova vida”, pontua.
Até achar o tom divertido para o maior medo que já sentiu na vida foi
preciso ter “muita força na peruca”, seu bordão preferido desde que
virou paciente e porta-voz da causa “diagnóstico precoce”. A frase de
efeito virou o nome do seu livro, que chega à segunda edição este mês.
Também em breve deve ser lançado o documentário “Mulheres de Peito”, que
conta a história de Mirela e de outras quatro mulheres que, em comum,
têm no histórico uma das doenças que mais assusta o universo feminino.
Foto: Alexandre Carvalho/ Fotoarena
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O livro de humor "Força na peruca" reúne as passagens engraçadas da publicitária
Nesta entrevista ao Delas, a publicitária
revisitou a experiência de estar entre as 50 mil mulheres que todos os
anos recebem a notícia de que são portadoras do câncer de mama.
Com algumas lágrimas ao lembrar dos momentos mais difíceis, porém com
muitas gargalhadas ao reviver as passagens divertidas, ela ensina como
foi possível transformar o furacão de emoções em um lugar tranquilo e
divertido.
Chão de ardósia
Frequentar o médico era rotina para Mirela Janotti desde 2003, quando
descobriu um nódulo benigno na mama que exigia acompanhamento de perto.
As visitas ao ginecologista eram feitas a cada seis meses,
religiosamente. Mas aqueles tempos estavam tão complicados pelo
divórcio, o momento turbulento no serviço e doença da avó que ela
“deixou o autocuidado para mais tarde”. Quase foi tarde demais.
A separação do marido já não doía tanto, a filha de 11 anos estava
mais acostumada com a ideia de não ter os pais morando na mesma casa, um
novo namoro engatava e a publicitária, depois de um ano distante do
médico, marcou a consulta.
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Seria o último compromisso em São Paulo, já que Mirela tinha
decidido dar uma reviravolta na vida. Vendeu o carro, vendeu os móveis,
estava quase fechando negócio para vender o apartamento e iria morar em
Natal (RN), já que não tinha mais emprego por aqui. O ultrassom,
entretanto, exigiu uma pausa nas mudanças.
“O único nódulo tinha se transformado em quatro. Desconfiei do
semblante do doutor no momento em que ele pediu mais exames. Durante
três dias, esperei pelos resultados já desconfiada de que não seriam
bons.”
Mirela estava no supermercado e recebeu a ligação a convocando para
ir ao consultório. “A secretária pediu para eu levar alguém comigo.
Minha vista ficou embaralhada, perdi o ar, fui para casa e ajoelhei no
chão de ardósia e rezei. A sensação era de que receberia, em alguns
minutos, uma sentença de morte. Chamei minha mãe, fomos ao médico e eu
não sabia como seria o amanhã”, relembra.
Era câncer de mama mesmo, como Mirela desconfiava. Em 48 horas, ela
estava na mesa de cirurgia, antes mesmo do convênio médico autorizar a
operação. Saiu da maca já com a mama esquerda reconstruída e a
prescrição de 8 sessões de quimioterapia. O novo namorado virou ex antes
mesmo da alta. “Ele não aguentou a pressão e sumiu”.
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Mirela foi para o apartamento sem móveis, sem carro para dirigir e também sem um novo emprego para mudar o foco dos pensamentos.
Diversão?
A carapuça de vítima serviria como luva. Quando os longos cabelos
louros caíram de uma só vez, Mirela achou que não teria outra
alternativa a não ser virar, ela própria, a doença.
“Comecei a rabiscar alguns textos, com a ideia de que deixaria o diário para a minha filha ler quando eu morresse.”
Foto: Alexandre Carvalho/ Fotoarena
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Mirela cai na gargalhada quando lembra de algumas passagens na época do tratamento. 'Fez botox? Não é quimio, mesmo!'
“Uma amiga então me convidou para passar um sábado na praia.
Eu fui e a gente deu tanta risada... A minha careca não chamava tanta
atenção assim. Naquela tarde, percebi que continuava a mesma pessoa, não
precisava ser triste só porque tinha ficado doente”, pensou ao voltar
para São Paulo.
Esta visão entristecida do câncer de mama, acredita Mirela, faz com
que as mulheres não percebam muitas passagens engraçadas do tratamento.
“Lembro de certa vez ao encontrar uma amiga de infância, estava de
chapéu, e ela foi logo disparando: nossa! Como sua pele está ótima. Fez
botox?”, perguntou. “Respondi, não menina! É quimioterapia mesmo! O
rosto brilha com ela”, emendou.
“Foi tão natural e, ao mesmo tempo, tão engraçado que caímos na gargalhada”, conta Mirela.
“A sala de espera para fazer quimioterapia é outra diversão. As
revistas na mesa central são todas femininas, com muitas opções de
cortes de cabelos e matérias ensinando a valorizar o seu lado feminino.
Um dia eu e as outras pacientes, todas carecas, ficamos tirando sarro
disso. Pensa, não é o máximo?”, diz.
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As folhas do caderno começaram a receber palavras bem-humoradas sobre
a doença e não mais de despedida. “Tudo ficou mais leve. Não mais
fácil, porém mais leve. Viver com câncer é diferente de viver o câncer.
Foi ficando legal estar viva que já não pensava mais que iria morrer.”
Lenços da sorte
Mirela Janotti procurou emprego, amarrou um lenço na cabeça e foi
para a entrevista confiante após receber o contato do proprietário de
uma pequena agência de publicidade. Saiu de lá com a vaga garantida e,
na semana seguinte, voltou para o batente. Já estava para começar as
sessões de radioterapia (seriam 25 no total) e mesmo enjoada e com
dificuldade de comer – sequelas do tratamento anticancer – ela ficou com
vontade de beijar na boca.
“Namorar e paquerar eram verbos que eu não conjugava mais.”
A mesma amiga que a convidou para ir a praia no início da terapia,
sugeriu um bar dançante para outro sábado à noite. Mirela deixou o lenço
em casa e resolveu apostar na peruca, um acessório que nunca curtiu. A
vaidade, no entanto, a convenceu a usar. Naquela noite, fez toda a
coreografia que inicia este texto, no banheiro. Sem dramas, explicou ao
moço que não tinha incontinência urinária (as diversas visitas ao
toalete deixaram o rapaz intrigado) e, sim, câncer de mama.
“Ele não fugiu, acredita?”
“Ligou no dia seguinte e estamos juntos desde então”, diz quatro anos
depois. Também surgiram vários outros convites de emprego e, em um
deles, ela virou diretora de arte, posição que ocupa até hoje, em uma
agência importante da capital paulista. O novo cabelo primeiro nasceu
enrolado e branco, mas agora já está louro e liso, “do jeito que sempre
quis”
Os lenços da sorte foram doados para outras pacientes. Quando as
madeixas naturais chegarem na altura da cintura, ela vai cortar chanel
(como a peruca do primeiro encontro) e doar os fios para enfeitar as
carecas de pacientes que não gostam de turbantes.
Mirela não fumava, não bebia, fazia exercício e não tinha casos de
câncer na família. Ainda assim, ela garante que hoje entende os motivos
para ter entrado para as estatísticas do câncer de mama.
“Achei que era castigo, mas o câncer de mama virou minha missão”. Uma missão bem humorada!
Fonte: www.ig.com.br
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